Aplicação e Aplicabilidade das Normas Constitucionais
É comum confundirmos os termos aplicação e aplicabilidade ao tratarmos das normas constitucionais. Embora relacionados, eles possuem significados distintos e merecem atenção.
Entender esse conceito é fundamental para quem estuda direito constitucional e se prepara para concursos públicos.
1. Aplicação imediata e Aplicabilidade das Normas Constitucionais: Entenda a Diferença.
A aplicação refere-se à utilização prática e imediata de uma norma jurídica.
No caso das normas constitucionais que definem direitos e garantias fundamentais, a aplicação imediata é assegurada pelo artigo 5º, §1º, da Constituição Federal:
Artigo 5º, §1º:
As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.”
Quando falamos em aplicação imediata das normas constitucionais, estamos nos referindo à ideia de que as normas que definem direitos fundamentais e garantias fundamentais começam a produzir efeitos jurídicos imediatamente após a publicação da Constituição.
Essas normas possuem eficácia jurídica, ou seja, têm força prática no ordenamento jurídico e não podem ser contrariadas por normas infraconstitucionais.
Entretanto, é essencial não confundir aplicação imediata com aplicabilidade imediata, pois esses conceitos, apesar de relacionados, são distintos.
APLICAÇÃO IMEDIATA
vs
APLICABILIDADE IMEDIATA
A aplicação imediata de uma norma constitucional significa que todo dispositivo que define um direito ou garantia fundamental possui eficácia jurídica, sendo, portanto, obrigatório o seu cumprimento.
Embora todas as normas constitucionais de direitos e garantias tenham aplicação imediata (eficácia jurídica), nem todas elas possuem aplicabilidade imediata (eficácia social).
Ou seja, algumas normas precisam de uma complementação legislativa para que produzam efeitos concretos no dia a dia, possibilitando que cidadãos e instituições as utilizem de forma efetiva.
Eficácia jurídica: É a capacidade que uma norma tem de gerar efeitos no ordenamento jurídico, como revogar normas anteriores incompatíveis e impedir a criação de novas normas que a contrariem.
Todas as normas constitucionais possuem juridicidade que é adquirida de maneira:
- Direta: Não dependem de regulamentação.
- Imediata: Valem desde a promulgação da Constituição.
- Vinculante: Obrigam o cumprimento pelas autoridades e pelos cidadãos.
Eficácia social: É o impacto prático que uma norma produz na sociedade, sendo efetivamente aplicada e observada em situações concretas.
Todas as normas constitucionais também possuem eficácia social, porém a obtenção dessa eficácia pode ser:
- Imediata e direta ou
- Mediata e indireta
Assim, algumas normas possuem tanto a eficácia jurídica (aplicação imediata) quanto a eficácia social (aplicabilidade imediata), a esse tipo de normas chamamos de: normas de eficácia plena ou contida.
Contudo, em alguns casos, teremos normas com apenas aplicação imediata (efeitos jurídicos), necessitando, dessa forma, de uma complementação legislativa para lhe dar a devida eficácia social (aplicabilidade)- normas de eficácia limitada.
Dessa forma e de acordo com a classificação de José Afonso da Silva, a eficácia social das normas constitucionais pode ser:
- Plena: Produz efeitos imediatos e completos, sem necessidade de regulamentação.
- Contida: Tem aplicação imediata, mas pode ser restringida por normas infraconstitucionais.
- Limitada: Depende de regulamentação legislativa para gerar efeitos práticos.
1.1 Aplicação Imediata e o Art. 5.º, § 1.º, da Constituição Federal
O artigo 5.º, § 1.º, da Constituição Federal de 1988 (CF/88) determina que as normas definidoras de direitos e garantias individuais têm aplicação imediata.
Isso significa que essas normas, por terem aplicação imediata, já asseguram os direitos previstos e autorizam o uso de mecanismos jurídicos para sua efetivação, como o mandado de injunção e a ação direta de inconstitucionalidade por omissão .
Um exemplo clássico disso que aconteceu é o direito à greve dos servidores públicos .
Constituição Federal :
“Art. 9º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.
§ 1º A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade. (…)
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (…)
VII – o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica; (…)
Art. 142. (…)
IV – ao militar são proibidas a sindicalização e a greve;”
Observe que o direito de greve é reconhecido pela Constituição Federal de 1988 como um direito fundamental (art. 9º), assegurando aos trabalhadores a decisão sobre quando e como exercê-lo.
No entanto, para que esse direito seja exercido plenamente, é necessária uma regulamentação específica que defina os serviços essenciais e estabeleça limites para atender às necessidades da sociedade (art. 37, inciso VII).
Desse modo, por se tratar de um direito fundamental, o direito de greve tem eficácia jurídica imediata, ou seja, ele é aplicável e não pode ser negado ou desrespeitado (aplicação imediata).
No entanto, sua eficácia social depende de uma lei infraconstitucional que regulamente como ele será exercido pelos servidores públicos.
- Eficácia jurídica imediata (aplicação imediata): O direito é garantido pela Constituição e possui validade jurídica, protegendo os trabalhadores.
- Eficácia social limitada(aplicabilidade mediata): Sem uma lei específica, esse direito não pode ser plenamente exercido pelos servidores públicos, já que faltam diretrizes práticas para sua aplicação.
Contudo, apesar de a Constituição determinar que o direito de greve dos servidores públicos seja regulamentado por lei específica, o Poder Legislativo nunca criou essa legislação.
Essa omissão levou à necessidade de intervenção judicial para garantir a aplicação imediata deste direito.
Logo, visando solucionar essa lacuna, os servidores públicos recorreram ao Supremo Tribunal Federal (STF) por meio de um Mandado de Injunção, um instrumento jurídico previsto na Constituição que visa proteger direitos fundamentais que estão sendo prejudicados pela ausência de regulamentação.
O STF, ao analisar os mandados de injunção, reconheceu a omissão legislativa e decidiu que, enquanto a lei específica não fosse criada, o direito de greve dos servidores públicos deveria seguir as regras estabelecidas para os trabalhadores da iniciativa privada, com adaptações necessárias.
2. Aplicabilidade das Normas Constitucionais
Enquanto a aplicação imediata dos direitos e garantias fundamentais estão ligados à capacidade dessas normas de produzirem efeitos jurídicos imediatos, a aplicabilidade está relacionada à eficácia social da norma — ou seja, à capacidade delas de produzirem efeitos reais e práticos.
Ou seja, aplicabilidade é a capacidade que uma norma tem de ser aplicada a um caso concreto e real.
Dessa forma, dentro do contexto constitucional, toda norma que versa sobre direitos e garantias fundamentais possuem aplicação imediata (eficácia jurídica), entretanto nem todas têm a aplicabilidade imediata.
Isto é, algumas dessas normas necessitam de uma complementação legislativa para obterem essa aplicabilidade, ou seja, nesses casos a aplicabilidade é adquirida de maneira mediata e não imediata.
– Professor, então quer dizer que algumas normas constitucionais que versam sobre direitos e garantias fundamentais não possuem aplicabilidade?
– Negativo, todos os direitos e garantias fundamentais possuem aplicabilidade, pois todos têm aplicação imediata.
O quê acontece é que alguns desses direitos precisam de complementações para ganharem essa aplicabilidade, enquanto outros já as adquire na hora da sua publicação.
Em outras palavras, todos os direitos e garantias fundamentais possuem possuem aplicação imediata (eficácia jurídica) e aplicabilidade ( eficácia social).
Entretanto, a forma como essa eficácia social é adquirida não é igual para todos.
Alguns direitos e garantias fundamentais possuem eficácia social imediata, ou seja, desde o momento em que são publicados na Constituição, já produzem efeitos concretos na vida das pessoas, dispensando qualquer tipo de regulamentação.
Contudo, há situações em que a eficácia social desses direitos só pode ser alcançada por meio de complementações legislativas, o que caracteriza sua aplicabilidade mediata.
Desse modo, enquanto alguns direitos, como o Habeas Corpus, podem ser exercidos diretamente após a promulgação da Constituição, outros, como o direito à saúde, dependem da criação de leis, políticas públicas e investimentos para gerar resultados práticos no cotidiano da sociedade.
Essa distinção é essencial para entendermos a aplicabilidade das normas constitucionais e os diferentes níveis de impacto jurídico e social que elas possuem.